Na música “Um Tom”, de Caetano Veloso, o cantor baiano diz que existe um “tom” para falar, cantar e viver. No ambiente corporativo, isso não é diferente. Cada organização tem sua própria voz na comunicação interna, mas qual seria o tom ideal para se conectar de verdade com os colaboradores? A resposta é “depende”, já que o tom de voz está relacionado à imagem que a empresa deseja transmitir e ao tipo de relação que a comunicação interna pretende construir com as pessoas.
Embora seja uma questão importante, não se trata de uma estratégia rígida com parâmetros inflexíveis, como se fosse uma fórmula matemática. O único fundamento inquestionável é a sua conexão com a cultura organizacional: ele precisa, necessariamente, refletir a personalidade da marca, estando presente em todos os conteúdos compartilhados. Quem destaca essa correlação é Kerlin Escobar Dutra, diretora de Planejamento e Conteúdo na agência HappyHouse. “Toda empresa tem o seu próprio tom, ele é único, pois tem a ver com cultura e contexto”, crava a especialista em comunicação interna.
A busca pelo tom de voz
Sem dúvidas, encontrar o tom de voz ideal na comunicação interna representa um grande desafio para as organizações, mas os resultados são compensadores quando há essa conexão com o público. A especialista destaca que definir e manter um tom adequado é uma tarefa complexa que demanda um esforço contínuo. Nesse contexto, a palavra-chave é consistência, como ela bem explica. “O principal desafio é garantir que todas as comunicações utilizem o mesmo tom, independentemente de serem internas ou externas. Também é imprescindível que nada pareça artificial ou forçado”, analisa.
No entanto, não dá para ajustar o tom de voz institucional sem ter um time de comunicação atento às nuances culturais e disposto a se adaptar às mudanças em curso nas organizações. E o desafio só aumenta, considerando que as pessoas estão cada vez mais exigentes e críticas em relação ao conteúdo que consomem, o que também exige maior sensibilidade na hora de se comunicar. “Se temos um valor chamado ‘Cuidamos da Nossa Gente’, o tom de voz deve ser positivo, empático e inclusivo, pois, com isso, os colaboradores irão se sentir valorizados e compreendidos”, exemplifica Kerlin. Por outro lado, se a entonação for negativa, a mensagem transmitida aos colaboradores poderá causar estresse e descontentamento.
A comunicação interna é a voz da empresa
Definitivamente, o tom diz muito sobre a empresa, mas é a comunicação interna a voz que estabelece esse diálogo com o colaborador. Rosi Purceti, vice-presidente de Gente, Cultura e Sustentabilidade na rede Pague Menos e Extrafarma, destaca que é por meio dela que as pessoas ficam sabendo de mudanças que afetam diretamente sua vida. Embora alguns temas sejam mais desafiadores que outros, a reação dos colaboradores a uma informação está fortemente ligada ao tom dessa comunicação. “Também é uma questão de coerência e transparência, que são fundamentais para que a percepção do colaborador seja correta e ele confie na informação que está recebendo por esses canais”, ressalta Rosi.
Para a VP de Gente, Cultura e Sustentabilidade, o que se diz dentro da empresa precisa refletir o que se vive nela no dia a dia. Sem essa coesão, a comunicação interna se torna porta-voz de discursos vazios, já que a cultura não sustenta essas palavras. “A personalidade da marca precisa estar presente tanto na cultura quanto nas ações internas, uma vez que a comunicação não atua de forma isolada”, reforça Rosi Purceti. Naturalmente, em ambientes positivos e psicologicamente seguros, a credibilidade se torna uma virtude inquestionável.
Experiência do colaborador
Mas como confiança não dá em árvore, é fundamental que as organizações invistam em ações concretas que deem protagonismo aos colaboradores. Segundo Rosi Purceti, construir um tom de voz para a comunicação interna vai além de determinar a linguagem ou os termos que serão usados. Existe uma estratégia por trás disso, e não é nada mirabolante. Toda a jornada do colaborador, desde o primeiro contato até as vivências cotidianas, precisa ser coerente com os valores e a identidade da empresa. “É considerar a comunicação como uma parte da experiência do colaborador dentro da empresa, mais do que somente uma forma de compartilhar informação com ele”, resume.
Para isso, o time de comunicação precisa não apenas entender o que acontece internamente, mas também estar próximo do seu público. Só assim a mensagem será transmitida no tom certo. Por esse motivo, a adoção de um manual, com orientações e exemplos de como aplicá-lo à comunicação interna, é considerada indispensável. De acordo com Kerlin Dutra, da HappyHouse, essas diretrizes vão garantir que o tom de voz esteja sempre alinhado aos valores e à identidade da marca. “Com o manual, é possível treinar os atuais e futuros profissionais responsáveis pelo conteúdo, dar as diretrizes aos fornecedores, guiar discursos etc.”
Depois de estabelecido o manual, o próximo passo é capacitar todos os profissionais envolvidos na comunicação, incluindo as lideranças, e monitorar os desdobramentos internos, para identificar possíveis desvios de rota. Entretanto, Rosi Purceti, da rede Pague Menos e Extrafarma, faz um alerta importante sobre essa estratégia: embora necessária, ela não pode engessar o conteúdo ou limitar o diálogo.
Engajamento na medida certa
Sem subir o tom, a comunicação interna consegue estabelecer um diálogo autêntico e eficaz com o público, garantindo não apenas o alinhamento com os valores da empresa, mas também um maior senso de pertencimento. É o que acontece, por exemplo, nas Lojas Renner S.A., grupo composto pelas marcas Renner, Camicado, Youcom, Ashua, Realize CFI e Repassa. Segundo Regina Durante, diretora de Gente e Sustentabilidade da companhia, o tom de voz adotado pela comunicação interna tem influenciado positivamente o engajamento e a percepção dos colaboradores sobre a empresa. Neste ano, 91% dos funcionários afirmaram entender como seus objetivos e desafios de trabalho estão relacionados aos da empresa.
Mas o que esses números significam na prática? Para a porta-voz da Renner S.A., o engajamento revelado na pesquisa demonstra que o tom da comunicação interna capta fielmente a essência da empresa, com as pessoas no centro de toda e qualquer estratégia. “Buscamos criar narrativas internas que tenham tom engajador e de mobilização, de forma conectada com a cultura corporativa, deixando clara a ação desejada e os ganhos, tanto para a cultura quanto para o colaborador”, afirma Regina Durante.
Empatia gera acolhimento
Como o grupo é composto por diversas marcas, cada uma possui sua própria voz. O tom, no entanto, pode variar conforme o público e os temas abordados. Regina destaca que, apesar dessas variações, as características distintivas de cada marca permanecem intactas, assim como o fio condutor da comunicação interna em todas elas: a empatia. Seja qual for o desafio, o porta-voz ou canal utilizado, as mensagens sempre serão guiadas pela empatia, que nada mais é do que a capacidade de se colocar no lugar do outro, entender suas necessidades e responder de forma acolhedora e respeitosa. “Em temas sensíveis, as abordagens geram proximidade, acolhimento e cumplicidade. Já em momentos, para alavancagem de vendas, por exemplo, fazemos uso de um tom com alta energia”, ilustra.
Além disso, é impossível ignorar o papel crucial das lideranças nesse contexto. O líder é o principal canal de comunicação interna e deve garantir que o tom correto seja mantido em todas as interações. Regina Durante, diretora de Gente e Sustentabilidade da Lojas Renner S.A., reforça essa responsabilidade, afirmando que os líderes são os guardiões da cultura da empresa. “Acreditamos no papel do líder como alguém que se orgulha, vive e pratica nossos valores diariamente, inspirando sua equipe em torno do nosso propósito de encantamento. Assim, as lideranças são pontos focais para nossa comunicação com todos os colaboradores.”
Imagem e ação
Por mais que a cultura organizacional exerça uma enorme influência nesse cenário, qualidades como transparência e clareza são indispensáveis para uma comunicação inspiradora. Para Carime Kanbour, gerente de Comunicação, Marca e Reputação da Klabin, uma das principais produtoras de embalagens de papel no país, o tom de voz na comunicação interna é o que molda a percepção dos colaboradores no dia a dia. “A reputação da empresa é formada por meio de uma construção contínua envolvendo muitas áreas e, também, é influenciada pela narrativa interna”, pontua.
Não é por acaso que o tom de voz deve refletir a personalidade e o propósito da marca, mas se torna especialmente desafiador adequá-lo ao público interno quando a empresa está presente em diferentes regiões do país. Esse é o caso da Klabin, com mais de 17 mil colaboradores distribuídos entre unidades industriais, escritórios e módulos florestai. A receita para uma comunicação eficaz, segundo Carime, envolve adotar uma linguagem precisa, que seja acessível a todos, e flexível o bastante para respeitar as particularidades de cada região, sem sacrificar a identidade da marca. Complexo?
Para Rosi Purceti, que enfrenta uma situação semelhante na rede Pague Menos e Extrafarma, é um desafio diário se comunicar com públicos tão diversos. A empresa lida com pessoas de diferentes regiões, cada uma com suas próprias percepções, experiências e rotinas de trabalho. São ao menos 25,7 mil colaboradores espalhados por 400 municípios brasileiros. Por isso, ela considera fundamental definir um tom de voz que se adapte a cada segmento de público, mantendo essa consistência diariamente. “É isso que vai gerar a sensação de clareza e transparência, sem engessar a comunicação em um único texto, e gerar uma proximidade com os colaboradores, garantindo confiança e credibilidade”, afirma.
Públicos interno e externo
O cenário se torna ainda mais desafiador quando consideramos o impacto da comunicação interna no público externo. Mas como isso é possível? Carime Kanbour explica que, com o alcance da internet hoje em dia, a comunicação se tornou uma só.
Não dá para a organização tratar os funcionários de uma forma e adotar uma postura diferente externamente. Qualquer discrepância nessa relação pode transformar o colaborador de hoje no hater de amanhã. “Eles também são impactados pelas redes sociais e pela imprensa, e na comunidade, podem se tornar defensores – ou haters – da marca”, lembra a especialista.
O melhor tom
Para garantir a coerência no tom de voz em todos os seus canais de comunicação interna, as empresas precisam de uma estratégia bem definida. Cada canal deve ser utilizado de forma estratégica, levando em conta os formatos mais eficazes e os públicos específicos de cada um. Porém, como bem destaca Rosi Purceti, o tom de voz deve ser uniforme em todos eles, independentemente do público ou canal. “Ele vai funcionar como um balizador de como esse conteúdo vai ser pensado, mas não deve limitar a produção para canais diferentes”, explica.
Reforçando essa ideia, Kerlin Escobar Dutra, diretora de Planejamento e Conteúdo na HappyHouse, enfatiza que os canais de comunicação são instrumentos pelos quais esse tom de voz será expresso, e não o contrário. “Podemos trazer uma mensagem do CEO na newsletter em forma de vídeo ou texto. Um canal, duas formas diferentes de conteúdo. Porém, o tom de voz do CEO reflete o tom de voz da empresa, estando alinhado à cultura e ao cenário”, afirma.
No dia a dia, se uma empresa adota um tom de voz mais leve e informal, isso deve ser refletido em todos os seus meios de comunicação, seja por e-mail, postagens em redes sociais ou vídeos, independentemente do formato. “Também é importante entender os recursos disponíveis e como eles podem ser aplicados para reforçar o tom de voz determinado”, complementa a porta-voz da rede Pague Menos e Extrafarma Rosi Purceti.
por Priscila Perez
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